Startups conscientes: como o ESG pode gerar o próximo unicórnio

 

startup, humanizadas, capa do dia, esg, sustentabilidade

Preocupação com impacto socioambiental já invadiu agenda das startups e deve crescer nos próximos anos (inakiantonana/Getty Images)

Quando fundaram a OpenBox.ai, os empreendedores Maurício Rodrigues e Fernando Peixoto pretendiam solucionar uma das principais dores das pequenas e médias empresas do Brasil: o acesso ao crédito. Com esse propósito que eles montaram fintech de antecipação de recebíveis que hoje já movimentou cerca de 20 milhões de reaisQuase três anos depois, a Rodrigues e Peixoto desejam mostrar que, mais do que nunca, a essência do negócio está na sustentabilidade. 

Veja exemplos práticos de como as empresas geram valor aos seus negócios com as normas do ESG

“Em 2019 percebemos que a ideia da união entre sustentabilidade e crédito, no Brasil, não passava de alguns artigos e estudos aqui ou ali. Não havia um projeto concreto de ESG para pequenas e médias empresas e isso nos surpreendeu”, diz Maurício Rodrigues, presidente da OpenBox. Incluir critérios socioambientais e de governança desde o início de uma empresa, de fato, pode encurtar o caminho para chegar na tão cobiçada categoria de “unicórnio”.  

É o que mostra uma pesquisa realizada pela Humanizadas, startup que surgiu a partir de um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos que pesquisa estruturas organizacionais. Segundo o levantamento, as startups conscientes, ou seja, que integram o ESG ao negócio, possuem 33% mais agilidade para responder aos desafios de negócios do que a média geral das empresas de todos os portes. Também conseguem 43% mais capacidade de inovar, engajamento interno 23% maior para gerar mudanças e 20% mais inclusão e diversidade no trabalho.  

Segundo Pedro Paro, fundador da Humanizadas, as startups conscientes, por adotarem os princípios ESG, questionam o propósito de existirem. Isso leva a uma compreensão mais ampla e sistêmica do posicionamento e do modelo de negócios. “Essas empresas têm um índice de maturidade de gestão alta, relações positivas e alta percepção de valor gerado para lideranças, colaboradores, clientes, parceiros e sociedade”, diz Paro 

Mauricio Rodrigues, CEO da OpenBox, fintech de antecipação de recebíveis.

Mauricio Rodrigues, CEO da OpenBox, fintech de antecipação de recebíveis (OpenBox/Divulgação)

A pesquisa, publicada há duas semanas, está na segunda edição. Foram analisadas em profundidade 226 organizações. Paro ressalta que o diferencial da pesquisa está no envolvimento de diferentes públicos, como lideranças, colaboradores, fornecedores, parceiros e sociedade – foram recebidas mais de 30 mil respostas, considerando todas as empresas.

O trabalho é patrocinado pelo Instituto Capitalismo Consciente e recebeu apoio do pesquisador Raj Sisodia, professor da Babson College, dos Estados Unidos, e autor do estudo Firms of Endearment, que inspirou a Humanizadas. Sisodia é um dos fundadores do movimento Capitalismo Consciente.   

Mas, afinal, o que as startups conscientes fazem de diferente? Paro explica que atuar por um propósito significa direcionar os esforços e os recursos da companhia para ações que, realmente, causem impacto no cliente, consumidor e na sociedade. Dessa forma, as empresas conseguem maior engajamento interno e fidelidade externa. Ao mesmo tempo, empresas conscientes adotam estruturas e modelos de gestão mais flexíveis, o que denota maior maturidade de gestão.  

“Na Humanizadas podemos medir e monitorar as organizações baseadas em cinco estágios evolutivosnos quais os estágios superiores representam maior capacidade de responder à complexidade, volatilidades e incertezas do ambiente de negócios.”, diz Paro. No estágio 5, a empresa atua como um “organismo vivo”, baseando-se em valores como confiança, liberdade e diversidade, praticando a autogestão e com o uso intenso de plataformas digitais. Quase metade das startups conscientes se encontra nesse estágio, e 86% estão do estágio 3 em diante.    

Estágios de consciência empresarial 

 tabelanoticia

Baseado na teoria de Frederic Laloux, autor do livro “Reinventando as Organizações” 

  

Reflexo do mercado 

A preocupação com os critérios ESG em pequenas empresas são um reflexo imediato das ações exigidas a companhias de médio porte que precisaram adequar suas operações para trabalhar em conjunto com grandes empresas, diz Gustavo Pimentel, presidente da Sitawi Finanças do Bem. “O tema já chegou nas empresas há muitos anos”, diz. “O que antes era questão de compliance e legislação, agora é sobrevivência”. 

O grande entrave para a expansão da agenda sustentável nas PMEs, segundo Pimentel, está nos custos. “Implementar questões que vão além da legislação e passem a ser diferencial competitivo, para as pequenas, muitas vezes é inviável”, diz. Hoje a Sitawi trabalha junto de oito fundos de private equity e, através deles, apoiou a adoção dos critérios ESG por 70 médias empresas. 

Para Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro pelo Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), uma das principais associações do país a fomentar a agenda sustentável corporativa, as pequenas empresas atuam como deflagradoras de ações que chegarão às grandes companhias. Isso acontece porque os ecossistemas envolvidos com as grandes empresas estão cada vez maiores, e essas companhias, por sua vez, precisam elevar a régua em pontos como transparência e eficiência.  

“Uma grande empresa não pode mais repassar a culpa de um posicionamento errado a um fornecedor, por exemplo. No lugar disso, ela será responsabilizada por ter se alinhado a um fornecedor inapropriado”, diz.  

Nesse sentido, a tecnologia e inovação, características tipicamente associadas às pequenas, surgem como facilitadoras. As PMEs auxiliam na rastreabilidade dos produtos e serviços e monitoramento no uso de água, emissões de poluentes e origens de matérias-primas, por exemplo. “As relações de mercado estão mais complexas, e as exigências são crescentes”, diz Grossi.  

Quadro_Capa do dia_humanizadas

 (Patricia Lima/Editoria de Arte/Exame)

Mudanças recentes 

Se de um lado, a exigência do mercado e a mudança no padrão de comportamento dos consumidores estimula grandes empresas a buscarem aliados menores para serem capazes de cumprir seus compromissos socioambientais, de outro cresce o número de pequenas empresas que buscam a associação com o ESG como diferencial competitivo. 

Em 2020, mesmo em meio à pandemia, grupo Brasil Mata Viva (BMV), metodologia que recompensa empresas por meio da compra de créditos de preservação florestal - os créditos de floresta - registrou crescimento de 678% na adesão ao Selo Sustentabilidade Tesouro Verde, que reconhece empresas com boas práticas ambientais, sociais e de governança. Cada crédito representa 1 tonelada de carbono que deixou de ser emitida através da conservação de recursos naturais. 

O selo é uma maneira das PMEs mostrarem ao mercado que estão preocupadas com a responsabilidade socioambiental e serem reconhecidas pelas boas práticas ambientais, sociais e de governança, segundo Maria Tereza Umbelino de Souza, fundadora e presidente do BMV. “Ser ESG é mais simples agora para uma empresa. Ao invés de reduzir as atividades para reduzir impacto, ela pode investir na expansão de serviços ecossistêmicos para equilibrar o uso de recursos naturais e ao mesmo tempo o crescimento do setor de pagamento por serviços ambientais, que é algo indispensável para essa agenda”, diz. 

Criada em 2007, a certificação reconhece as empresas que colaboram com a conservação das florestas. Entre 2018 e 2020, a adesão ao selo subiu de 23 para 179 empresas. O BMV também mantém uma parceria com o Santander para a oferta de taxas de juros diferenciadas para empresas que sigam o protocolo do Tesouro Verde. “Quem tem crédito de floresta também tem crédito com a sociedade e também tem ganhos financeiros”. 

A solução vai ao encontro da principal necessidade do setor para ampliar as adoções ESG: o apoio estrutural. Para Grossi, do CEBDS, há a necessidade de mais estímulos e incentivos financeiros para o surgimento de novas PMEs com propósito “Existe um apetite por parte dos consumidores e sociedade e uma maior compreensão de investidores”, diz. 

Para além do estímulo financeiro, a profissionalização surge como resposta imediata para a solidez da agenda ESG nas pequenas e médias. 

Somente no mês de dezembro de 2020, 35 micro e pequenas empresas do setor de turismo e agronegócio do Mato Grosso buscaram a certificação sustentável, por meio de uma parceria do BMV com o Sebrae-MT. As empresas receberam consultorias, treinamentos e assessoria por parte do Sebrae. Na lista estão pousadas e restaurantes. 

Para Suenia Souza, gerente de Negócios Sustentáveis do Sebrae, a quantidade de micro e pequenas no país justifica o fato de que qualquer estratégia sustentável, seja no âmbito corporativo ou governamental, passa pelos pequenos negócios. “Temos de viabilizar o acesso das pequenas à agenda ESG. Para nós, o selo é uma cereja do bolo de uma trilha de empresas que já se mobilizavam por práticas de gestão e sustentabilidade”, diz.